Nos últimos 20 anos, o número de diagnósticos de autismo cresceu assustadoramente. Isto fez com que os profissionais de saúde conferissem mais atenção ao assunto. Novos critérios para o reconhecimento clínico e os mais diversos métodos de tratamento inundaram a sociedade com esperanças, mas também com muitas dúvidas sobre a eficácia dos mesmos.
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) pode ser caracterizado por desafios com habilidades sociais, comportamentos repetitivos, fala e comunicação não-verbal. O autismo é um dos transtornos que integram esse quadro.
Em 2002, nos Estados Unidos, uma pessoa em cada 150 era autista. Hoje, estima-se que a proporção é de uma para 51. A fonte é o Centro Norte-Americano de Controle e Prevenção de Doenças (CDC).
No Brasil estima-se que já são mais de 2 milhões de autistas.
Em alguns Estados, como Pernambuco, chama atenção o extraordinário número de ações judicias reivindicando o tratamento para esta síndrome. Já atinge um percentual de 11% dos litígios contra convênios. A cada 10 ações ajuizadas no segmento, uma é sobre TEA. Apresenta-se como um ponto fora da curva. Algo não está normal.
Em São Paulo, o tema também está em destaque. O Ministério Público ajuizou Ação Civil Pública e desde 2.016 o Tribunal Paulista realiza audiência pública, com a finalidade de alinhar o mais justo atendimento às demandas sobre o assunto. Acontece que, lá, a Secretaria de Saúde Estadual desenvolveu um Protocolo de Tratamento[i] que vem sendo eficaz no acolhimento destas crianças.
Esta nova realidade tem desafiado a comunidade científica a estudar se estamos diante de uma "epidemia” de autismo. Mas a resposta para isto é negativa. Os especialistas no assunto concluíram que os métodos de diagnóstico evoluíram e a quantidade oficial de autistas cresceu em decorrência deste efeito.
Por outro lado, também perceberam que diversos profissionais estão, equivocadamente, apontando como portadores de TEA as crianças que sofrem de TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade), de Síndrome de Ansiedade e outras neuropatias que alteram o comportamento dos infantes.
A situação é preocupante, porque o tratamento para cada distúrbio desta natureza é específico e, quanto mais precoce, mais importante para o desenvolvimento do paciente. Uma criança com TDAH diagnosticada como TEA, ou ao contrário, vai receber atendimento inadequado.
Em determinadas ações judiciais, é possível constatar diagnósticos precipitados, em análises superficiais. E o pior: percebe-se um padrão de tratamento, como se houvesse uma receita pronta para enfrentar o TEA. Só que não há.
Determinada neuropediatra chega a indicar os métodos de cuidados psicológicos aos quais seus pacientes devem se submeter, quando, na verdade, isto seria prerrogativa profissional do psicólogo.
Há clínicas e profissionais divulgando serem especialistas em ABA, HANEM, PECS, TEACCH, INTEGRAÇÃO SENSORIAL; enquanto estas abordagens são métodos de terapia, sequer subespecialidades. Ainda não há título de especialização reconhecido pelos Conselhos – nem de Medicina e nem de Psicologia.
Então, tais anúncios dão a falsa impressão de que apenas determinados psicólogos, fonoaudiólogos e fisioterapeutas estariam preparados para tratar o TEA. Não é verdade.
Os conselhos profissionais vêm evitando a matéria. Não enfrentam de frente.
Já o Poder Judiciário, baseado nos relatórios emitidos certas vezes por profissionais com interesse mercantil, vem determinando ao Estado e aos planos de saúde o custeio de tratamentos de eficácia duvidosa, entre os quais estão ainda medidas de reforço pedagógico/escolar, que não se enquadram como cuidado clínico.
Com efeito, o tratamento indicado para autismo é o uso de Terapia Comportamental (TC). “É o único tratamento baseado em evidência científica”, segundo Martha Hubner, professora do Instituto de Psicologia da USP.
É preciso, urgentemente, promover o debate do assunto, tanto na esfera das autoridades de saúde como no meio jurídico. Existem erros clínicos que fundamentam liminares. Há um desvirtuamento do conceito de especialista. Muita gente ganhando fábulas de dinheiro com serviços de eficácia duvidosa. E, no centro de tudo isto, nossas crianças autistas podem estar recebendo tratamento inadequado.
[i] http://www.saude.sp.gov.br/resources/ses/perfil/profissional-da-saude/homepage//protocolo_tea_sp_2014.pdf
Texto publicado em 2018, por Elano Figueiredo, ex-diretor da ANS, advogado, especialista em sistema de saúde e health speaker.
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