Juntamente com a maioria dos veículos de comunicação, anunciamos ontem que a Secretaria Nacional do Consumidor, órgão do Ministério da Justiça, instaurou processo administrativo para investigar os cancelamentos dos contratos de planos de saúde.
Hoje resolvi aprofundar a notícia, pois precisamos ir além dos fatos e perceber o contexto do todo, valendo à pena conferir a Nota Técnica do Ministério da Justiça.
Com efeito, num momento em que o responsável pela Senacon é candidato a assumir a vaga de Presidente da ANS, os órgãos divergem tecnicamente sobre a competência para conduzir as denúncias de rescisão dos contratos.
Na referida nota, mesmo tendo a Agência reguladora afirmado que está acompanhando o assunto e realçado que a competência constitucional de fiscalizar as operadoras é sua, a Secretaria do Consumidor mandou um recado forte: “as normas daquela Agência, em certa medida, estão em desacordo às garantias previstas no Código de Defesa do Consumidor (CDC), norma de instrução superior e principiológica, devendo ser analisada a revisão das mesmas, sendo que esta Secretária coloca-se à disposição para a abertura de debates e colaboração.”
No meu entender, a equipe do Departamento de Proteção do Consumidor disse que o CDC é o que vale e a ANS, inclusive, deveria rever suas resoluções. Não bastasse, o Senacon ainda se prontificou para ajudar nessas revisões. Para uma completa indelicadeza, faltou apenas uma vírgula, dizendo: “... já que vocês não sabem fazer”. A Nota é uma mal-educada declaração de guerra contra os técnicos da agência de saúde, que são os verdadeiros especialistas do assunto.
Situações como esta mostram que a interferência de estratégias políticas nos temas técnicos não pode acabar em coisa boa.
Sem cansar a presente leitura, posso apontar que a credibilidade da Nota Técnica cai por terra com um simples quadro trazido no próprio documento. Vamos lá:
Na minha visão, o aumento de reclamações traduzido nesse quadro foi absolutamente pífio. Na verdade, se compararmos janeiro e maio de 2024, constatamos que praticamente não houve incremento nos processos do ProConsumidor (de 53 para 55) e não existem dados do Sindec e do Consumidor.gov.
Ainda mais, podemos verificar uma grande oscilação de denúncias, incapaz, portanto, de demonstrar efetivo crescimento das demandas nos últimos 6 meses. Por exemplo, o Consumidor.gov registrou 419 queixas em janeiro/24, enquanto foram 381 em março. Quer dizer, então, que as reclamações diminuíram.
Não se pode perder de vista, ainda, que o setor de saúde suplementar reúne mais de 50 milhões de consumidores. Então, onde está a análise sobre representatividade desses números? Há, portanto, elementos suficientes para a instauração do dito processo?
Bem, a Nota Técnica do Senacon não parece se sustentar de pé. Provavelmente, o movimento foi político na sua essência.
Na verdade, os argumentos mais significativos, que poderiam ensejar a instauração da investigação, são fundamentados nos gráficos da ANS, cuja manifestação foi bem clara no sentido de que já está acompanhando isso com uma lupa. Ainda assim, o Senacon "tratorou" a Agência.
O pior de tudo é que, como a Secretaria “jogou para a plateia”, “deu carne com sangue aos tubarões”, a notícia de instauração do processo contra os planos de saúde pautou absolutamente todos os veículos de comunicação no fim de semana.
Se a intenção era legitimar o Secretário Nacional do Consumidor como guardião do povo, apto a assumir a ANS, deve ter surtido o efeito desejado.
Então, quando escrevi que havia começado a campanha para a presidência da ANS, eu estava errado?
Elano Figueiredo é ex-diretor da ANS e fundador do Portal JS.
Comments