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elano53

Concentração no mercado de planos de saúde coloca em xeque independência da ANS



Compra da Sul América pela Rede D'Or até agora foi aprovada sem restrições, mas prejudica a concorrência e os clientes.

A inflação dos serviços de saúde tem sido registrada acima da elevação dos preços em geral no Brasil. Entre setembro de 2020 e setembro de 2021, por exemplo, enquanto a inflação oficial ficou em torno de 10%, os preços dos serviços médicos aumentaram 27,5% para o consumidor, conforme o Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS).


Muito dessa variação de preços para usuários de planos de saúde se deve à tecnologia incorporada à prestação dos serviços médico-hospitalares, mas não só. A concorrência entre prestadores de serviços é um componente importante na formação de preços, e no apagar das luzes do atual governo federal a concentração de serviços nas mãos de um único grupo econômico ameaça o bolso dos consumidores.


Numa tramitação relâmpago, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) se encaminha para aprovar a compra de 100% da gigante SulAmérica Saúde pela Rede Do’r São Luiz, a maior empresa de saúde de assistência médica integrada, com mais de 30 hospitais em todo o País. A aquisição em si não seria um problema. Há outros grandes operadores de saúde que possuem o seu próprio plano.


Mas a questão é que a Rede D'or também controla um terceiro agente da prestação de saúde privada, a da administradora de benefícios Qualicorp, que age como corretora dos serviços oferecidos pelos planos de saúde, no caso dela com uma peculiaridade que a fez se tornar líder do mercado, os contratos baseados na adesão coletiva.


Em outras palavras, a Qualicorp compra planos no atacado, com desconto, e vende no varejo por intermédio de sindicatos e entidades de classe. Para o usuário, a operação resulta em preços menores do que aqueles verificados pela aquisição individual, já que o cálculo dos custos é baseado na média dos serviços utilizados por todo o grupo.


Concorrência ameaçada


Não há dúvida de que, na questão da saúde, o serviço público universal e gratuito é a meta a ser buscada, mais do que em qualquer outro setor do governo. Porém, enquanto a situação ideal não ocorre, o equilíbrio na prestação de serviços por agentes privados deve ser uma exigência do poder público.


E esse equilíbrio está sendo quebrado no caso bilionário que envolve a rede D'or, a Sul América e a Qualicorp. Um empresário do setor, que não quer ter seu nome revelado, compara o negócio a uma bigamia. A rede D'or já estava casada com a Qualicorp quando comprou a Sul América, em fevereiro deste ano. “O que ela quer agora é um casamento a três”, afirma.


Assim como a bigamia, um grupo econômico não pode, ao mesmo tempo, oferecer planos de saúde e administrar o benefício em nome dos usuários, que é a razão de ser da Qualicorp. Como define a Resolução Normativa 196 da ANS, de 2009, revalidada pela Resolução Normativa 515, deste ano.


Está no artigo 9: "É vedada a participação de Administradora de Benefícios e Operadora de Plano de Assistência à Saúde pertencentes ao mesmo grupo econômico em uma mesma relação contratual”.


Presidente da ANS passa por cima de pareceres técnicos


O mais estranho é que quem assina a resolução é o mesmo agente público que tem se empenhado para aprovar o negócio bilionário, como quer a rede D'or, a toque de caixa e contrariando pareceres técnicos.


Trata-se do presidente da ANS, Paulo Roberto Rebello Filho, que chegou à entidade em 2018, depois de servir como chefe de gabinete do então ministro da Saúde Ricardo Barros, que atualmente é deputado, um dos líderes do Centrão e defensor entusiasmado do governo de Jair Bolsonaro.


Formado em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa (PB), Rebello ingressou na ANS como diretor de Normas e Habilitação das Operadoras (Diope). Em 2021, ele chegou à presidência da entidade e, durante um período, acumulou outras duas das cinco diretorias.

Além do Diope, respondeu pela Diretoria de Normas e Habilitação de Produtos (Dipro). Ao mesmo tempo, manteve nas outras três diretorias substitutos, que se revezavam no posto. A prática gerou protestos do Sindicato que representa os servidores de carreira das dez agências reguladoras do Brasil (Sinagências).


E são dois diretores titulares ANS que têm se oposto à manobra de Rebello no caso Rede D'or-SulAmérica-Qualicorp. O médico Jorge Antônio Aquino Lopes, da Dipro, rejeitou o pedido da rede D'or duas vezes, sob o argumento de que "a legislação proíbe prática anticoncorrencial".


Outro diretor, Alexandre Fioranelli, também votou contra e propôs que, em vez de votar, a ANS deveria realizar diligências para ter mais informações sobre o processo de aquisição da Sul América e da Qualicorp pela Rede D'or.


A raposa toma conta do galinheiro


O presidente Rabello disse que já tinha realizado essas diligências quando respondia pelo Dipro. Porém uma consulta ao processo, de 3 mil páginas, mostra que não há documentos disponíveis sobre a negociação. Um parecer técnico da Diretoria de Normas e Operações definiu a negociação em termos duros.


“Com o perdão da informalidade, que se adota em benefício da clareza, mesmo que a raposa se declare vegetariana, não se pode admitir que uma raposa tome conta do galinheiro”.


Numa demonstração de que há uma mão invisível que atua nesse caso, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovou sem restrições a fusão entre a Rede Do ‘r e a SulAmérica, o que gerou protestos e recursos imediatos de rivais, como os hospitais Albert Einstein e Sírio Libanês, além da administradoras por plano de saúde por adesão SuperMed e Benevix.


A decisão do Cade pode ser usada como argumento para Rebello tentar convencer seus pares na ANS de que o fato da Rede D 'or deter cerca de 30% do controle da Qualicorp não significa que ela é proprietária da administradora de benefícios.


É um absurdo, mas esse argumento tem o selo do Cade — até que a decisão seja derrubada, em instâncias recursais ou no Judiciário. Mas, no caso de serviços de saúde, não é o Cade que dá a palavra final, mas a ANS e na agência o corpo técnico tem se mantido firme na posição contrária.


Os técnicos sabem que, caso a ANS aprove o negócio, serão abertos precedentes para que as demais operadoras de plano de saúde sigam o mesmo caminho, o que certamente ferirá o princípio da livre ocorrência, em prejuízo dos consumidores.


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