ANS deve retomar nas próximas semanas debate sobre critérios de substituição da rede credenciada de planos de saúde
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) deve retomar nas próximas semanas a discussão sobre critérios para substituição da rede credenciada de planos de saúde. A lei que regulamenta o setor estabelece que, em casos de descredenciamento, a operadora deve fazer a troca por um serviço equivalente. Não traz, no entanto, detalhes.
Os resultados dessa lacuna são notados nas estatísticas de reclamações de consumidores. A história é conhecida. No momento de fazer a contratação, as pessoas geralmente dão grande atenção à rede de atendimento. E muitas vezes concordam em pagar uma mensalidade maior, justamente para garantir que um hospital, clínica ou laboratório de sua preferência esteja coberto em seu plano.
Quando vão usar os serviços, porém, os tais serviços não integram mais a rede.
O presidente da ANS, Paulo Rebello, afirma que a ideia é tentar trazer na regulação critérios geográficos para se evitar, por exemplo, que o consumidor seja obrigado a percorrer longas distâncias quando precisar de cuidados. Além disso, a proposta prevê instrumentos que garantam a substituição de hospitais com qualidade semelhante. “Hoje se analisa muito a capacidade de atendimento, mas precisamos ir além”, diz.
Representantes de planos questionam a necessidade de definições precisas. Argumentam, por exemplo, que uma regra como essa traria um poder maior para serviços, dificultando as negociações. E provocam: o que fazer, por exemplo, quando não houver numa determinada região um serviço de igual qualidade?
Integrantes de instituições de defesa do consumidor consideram essencial a regulação. “Hoje há falta de transparência. Além disso, na maioria das vezes as trocas acabam trazendo prejuízos para o consumidor, com substituições por serviços que são de pior qualidade”, afirma a coordenadora do programa de saúde do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), Ana Carolina Navarrete.
O que chama a atenção nessa discussão, além de seu alcance, é a ocasião em que é feita. Por que até hoje um tema tão importante não teve a sua regulamentação amplamente debatida?
A pergunta é em parte respondida por uma movimentação que ocorre no Congresso. O deputado Duarte Júnior (PSB-MA) é relator do projeto com propostas para atualizar a lei que regulamenta a saúde suplementar. Tentativas anteriores já foram feitas, sem resultado.
A novidade desta vez é que Duarte Júnior anuncia propostas que, à primeira vista, atendem interesses do consumidor, como regras para equiparar planos coletivos com planos individuais. As ideias trazidas a conta-gotas pelo parlamentar causaram polêmica.
Representantes de empresas de planos de saúde sustentam que parte das ideias representa uma ameaça à sustentabilidade do setor.
A movimentação da ANS é em certa medida uma reação às provocações feitas por Duarte. O esforço é mostrar haver na agência a discussão de alguns temas que foram abordados pelo deputado e que respostas conjuntas poderiam ser estudadas.
Essa reação em parte se assemelha ao que ocorreu no ano passado, durante a discussão sobre a extensão da lista de procedimentos e medicamentos que planos devem ofertar. Diante da pressão popular, a ANS alterou algumas regras, como a que acabava com limite para consultas com psicólogos.
Outras mudanças
Além de regras para substituição de serviços descredenciados, está a de revisão das regras de reajuste para planos coletivos com até 29 vidas. Atualmente, planos com essas características têm regras distintas. Mas o que se vê é que os reajustes acabam sendo maiores do que de planos empresariais que atendem grandes grupos. “Os estudos seriam para tentar ampliar esse grupo, de forma a se diluir riscos”, diz Rebello. E quanto maior esse grupo, haveria maior previsibilidade e menor aumento. “É o mutualismo agindo.”
A agência também avalia como dar mais transparência aos critérios usados nos reajustes coletivos, algo que poderia trazer maior previsibilidade e possibilidade de controle por parte dos consumidores. Os dois temas ainda carecem de maior discussão, diz Rebello, mas ele avalia que neste semestre o cenário pode estar bem definido.
Com relação à ampliação das regras de 29 vidas, uma das propostas é de extensão para planos de até 200 beneficiários. Esse universo, no entanto, ainda não está definido. “Essa é uma mudança essencial, que há tempos defendemos”, diz Ana Carolina, do Idec. Ela, contudo, pondera que a extensão para 200 beneficiários não traria nenhum impacto. “Já existem estudos preliminares, na própria ANS, que mostram que para ter efeito, esse universo precisa ser bem maior.”
Sem relatório
Ana Carolina afirma não ser possível fazer uma avaliação das propostas de Duarte. “Não há como fazer balanços agora, na ausência do relatório”, diz. Ela lista, no entanto, alguns pontos sobre os quais, na avaliação do Idec, é indispensável se avançar para garantir direitos dos consumidores. Entre eles estão a proibição do cancelamento unilateral de contratos coletivos e o acesso dos consumidores à cópia do contrato.
Depois de adiamentos sucessivos, o deputado afirma que irá apresentar o relatório em breve.
Rebello avalia ser essencial que o relatório seja apresentado o mais rapidamente possível. O presidente da ANS, no entanto, defendeu a realização de outras etapas de discussão. Inicialmente, havia sido cogitada a criação de um grupo de trabalho assim que o relatório fosse apresentado. Essa corrente, no entanto, perdeu força.
Rebello, ao lado de parlamentares, defende debate em outras comissões da Câmara, como a de Saúde e Direito do Consumidor. O projeto, contudo, está em regime de urgência. E, desta forma, já poderia ser encaminhado para o plenário — rota defendida por Duarte.
Há, contudo, a percepção de que não haveria problema de a discussão ser ampliada. Ideia compartilhada pelo presidente da ANS.
“Audiências públicas foram de grande valia. Mas o tema é muito complexo. O amadurecimento seria essencial e o ideal é que isso seja feito a partir da análise de um documento formal, de propostas apresentadas de forma clara”, diz Rebello.
Embora os temas ainda estejam indefinidos, as falas de Duarte, por mais críticas que tenham recebido, trouxeram um reflexo positivo: escancarou a urgência na discussão de pontos relacionados a ampliar as garantias do consumidor.
Em debates anteriores, o fenômeno foi justamente o inverso. Nas duas discussões anteriores, boa parte das propostas era alvo de profunda preocupação entre entidades do direito do consumidor.
Nesse setor, não há quem esteja contente. O mercado de planos tem aumentado. Dados da ANS mostram que são 50,8 milhões de beneficiários. No ano passado, eram 49,6 milhões. Apesar da expansão, operadoras dizem que os gastos com atendimento aumentaram de forma expressiva, o que coloca as contas em risco.
Usuários de planos de saúde coletivos queixam-se do aumento das mensalidades, puxando para cima os indicadores de reclamações em entidades de direito do consumidor e ações na Justiça. Diante desse cenário, fica claro que há muito o que se melhorar. Não se pode fazer as discussões, contudo, em salas fechadas. O debate tem de ser público e ponderadas todas as opiniões. Algo que vai muito além de planilhas.
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