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"Assim, os analistas de hoje já refazem as contas sobre os resultados dos planos de saúde a serem ofertados para pessoas físicas. É uma revisão bem-vinda. O mercado tem se mostrado dinâmico e, quem não o acompanha, erra nas previsões".
Muito se tem discutido sobre os planos de saúde individuais, aqueles firmados com pessoa física. Alguns analistas garantiam sua inviabilidade atuarial, diante do envelhecimento da população, da maior utilização da assistência e dos reajustes limitados, nem sempre suficientes para recompor a inflação médica. Outros defendiam sua necessidade de existência, pois se constituem como ferramenta de acesso, especialmente dos idosos e mais carentes, aos serviços.
Estudando dados objetivos[1], percebe-se que o número de beneficiários, da modalidade de plano individual, cresceu nos últimos 20 anos. Em dezembro de 2000 eles eram 5,7 milhões e em dezembro de 2021 são 8,9 milhões. Entretanto, numa realidade de quase 50 milhões de consumidores de planos de saúde, esse percentual é baixo.
Nota-se que houve significativo crescimento dos planos coletivos, em relação aos individuais. Os empresariais saltaram de 7,6 para 33,7 milhões, no mesmo período referido.
Atualmente, isso nos leva a um gráfico impressionante:
De toda forma, o que gerou tamanha discrepância de crescimento?
Vale a pena repetir os obstáculos à operação do plano individual: impossibilidade de rescisão dos contratos com pessoas físicas, reajuste controlado pelo Governo, proibição de reequilíbrio de contratos deficitários, fraudes e um modelo desajustado de relação com prestadores, que afeta todas as formas de operação assistencial.
Ademais, cumpre anotar que a legislação não obriga a oferta de contratos individuais como condição de se obter e manter o registro de operadora de saúde, permitindo espaço para esquiva do operador.
Mais resumidamente, podemos entender que, não estando legalmente obrigado, o empreendedor da saúde suplementar desistiu de apostar num tipo de contrato que inadmite ajustes de percurso. Mas realmente haveria razão para essa aversão ao risco dos resultados do plano individual?
Com efeito, ao traçarmos um paralelo entre os percentuais acumulados de inflação, considerando o FIPE-SAÚDE e o ÍNDICE ANS, entre 2010 e 2020, verificamos 114,63% x 107,20%. Algo muito próximo para um período longo.
Pois, pois. Para além disto, a dinâmica do mercado é curiosa e, algumas vezes, enseja os ajustes que são necessários, até mesmo despropositadamente.
Lembremo-nos que, após as grandes seguradoras suspenderem a comercialização de planos individuais, as maiores operadoras de saúde também o fizeram, a partir de 2012. Não acreditavam na sustentabilidade destes contratos. Mas isso fez surgir uma demanda reprimida de consumidores, prontos a experimentar novos modelos, condições e preços para a pessoa física. Foi então que alguns raros empresários decidiram investir nesse público, com um olhar especial na escalada de procura e escassez de oferta.
Nos últimos cinco anos, por exemplo, Hapvida e Prevent Senior evoluíram suas carteiras de clientes, tendo a primeira se transformado na maior operadora do Brasil. Seguiram trajetórias contra a recomendação de esmagadora fatia dos especialistas.
A Amil, por sua vez, pretende negociar essa sua unidade de negócios, mas os adquirentes já informaram que a operação de planos individuais é rentável. Explicam que a retomada da comercialização de novos planos ensejará oxigenação do pacto intergeracional. Faz sentido.
As autogestões e as cooperativas médicas vêm adotando programas de cuidados precoces de sucesso, visando propiciar o envelhecimento ativo e saudável da população.
Assim, os analistas de hoje já refazem as contas sobre os resultados dos planos de saúde a serem ofertados para pessoas físicas. É uma revisão bem-vinda. O mercado tem se mostrado dinâmico e, quem não o acompanha, erra nas previsões.
O painel que fundamentava a realidade dos planos individuais estava apoiado numa realidade que vem mudando. Empresas que insistiram no produto, alterando o seu ecossistema, reeducando o consumidor e o prestador conseguiram provar que o serviço é viável. O futuro se apresenta, portanto, alvissareiro para quem se nega a (ou não pode) aderir a um plano coletivo e sonha com a ressureição dos individuais.
Por fim, resta ao Poder Judiciário evoluir quanto a tudo isto e ponderar o impacto da sua intervenção nessas relações. É um componente importante da equação.
[1] https://www.gov.br/ans/pt-br/acesso-a-informacao/perfil-do-setor/dados-e-indicadores-do-setor
Elano Figueiredo
Bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza e especialista em Direito Empresarial pela FGV, foi Head Jurídico do Grupo Hapvida entre 2001 a 2011, Diretor da Agência Nacional de Saúde Suplementar entre 2012 e 2013, Assessor Especial da Amil entre 2014 e 2016 e, desde então, atua como advogado especialista em saúde, com foco especial na regulação ética dos Conselhos de Medicina. É professor de pós-graduação de gestão em saúde e debatedor na Rádio CBN e membro da Comissão de Saúde da OAB de Ribeirão Preto/SP.
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