Aperfeiçoamento da legislação deve vir acompanhado de ampla discussão com todos os entes envolvidos
A Câmara dos Deputados destacou em tópicos, esta semana, os projetos de lei que tramitam na casa sobre as possíveis mudanças na legislação dos planos de saúde. As discussões versam sobre a inclusão de atendimentos e procedimentos entre as coberturas obrigatórias, redução de prazos de carência, direito a acompanhante em qualquer tipo de internação, inclusão de diversos tipos procedimentos na cobertura, questões legais que envolvem o direito do consumidor e contratos, reajuste dos planos, dentre outras propostas.
Considero essa uma lista de desejos que remete a um mundo ideal, porém distante da realidade de nosso país. Nem mesmo o Sistema Único de Saúde (SUS), previsto na Constituição Federal e que garante assistência médica a toda população, é tão benevolente quanto às propostas apresentadas.
Diferentemente do que aconteceu com a lei do piso da enfermagem, aprovada sem dizer de onde viria o recurso para cumprir sua finalidade, no caso dos PLs dos planos de saúde o recurso deve sair do bolso do próprio consumidor, que já sofre para suportar a mensalidade do plano vigente. Fazendo uma analogia com a aviação civil, seria oferecer assento na classe executiva pelo mesmo valor da econômica. O resultado é que não haveria assento para todos.
Não podemos nunca nos esquecer que a cada abrandamento de norma ou incremento de novo serviço, o preço do plano se multiplica e, caso sejam ameaçados pela impossibilidade de correção financeira justa, esses planos podem ser descontinuados, fazendo com que uma enxurrada de pacientes tenha que recorrer ao sistema público, agravando um cenário que já demonstra muitas dificuldades.
Somado a isso, diversas empresas do setor vêm vivenciando sérios problemas econômico-financeiros por conta de fatores conjunturais e estruturais da saúde suplementar causados pela pandemia do coronavírus e também por recentes mudanças legislativas. Um dos apontamentos de um estudo promovido pela Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) e pelo Instituto Brasileiro das Organizações Sociais de Saúde (Ibross) mostra que no terceiro trimestre de 2022 a sinistralidade dos planos assistenciais chegou a 93,2%, e 262 operadoras amargaram prejuízo entre suas receitas e despesas assistenciais.
Diante desse cenário, as novas propostas podem trazer como resultado a dificuldade na efetivação do direito à saúde por beneficiários, aumento expressivo da judicialização na saúde suplementar, insustentabilidade financeira de players do setor, além de ajudarem a reforçar ainda mais as incertezas que se configuraram para esse ano, com um orçamento menor para o SUS e a imprevisibilidade de custos da saúde suplementar.
É importante lembrar do papel que a saúde privada exerce no Brasil, não somente para a economia, mas também para a cobertura assistencial dos brasileiros. Um levantamento da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) feito em outubro passado mostrou que o número de beneficiários de planos de saúde ultrapassou os 50,2 milhões de pessoas, maior alta desde 2014. Pesquisa da Associação Nacional de Administração de Benefícios (ANAB) sobre planos de saúde também apontou a preocupação dos brasileiros com o acesso aos tratamentos de saúde — mais de 80% dos entrevistados afirmaram estar preocupados.
Entendemos que o aperfeiçoamento da legislação é sempre bem-vindo e, muitas vezes, necessário e merece estar na pauta do dia de todo setor regulado, mas deve vir acompanhado de ampla discussão com todos os entes envolvidos — consumidores, operadoras, prestadores de serviço e ANS, por exemplo —, além de análises e estruturação que a tecnicidade do assunto requer.
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