Parcerias, produtos regionais, atenção às pequenas e médias empresas e combate às fraudes são ações para enfrentar aumento de custos
O mercado de seguro-saúde, que concentra nos contratos coletivos, especialmente empresariais, mais de 80% dos segurados, vive diante do desafio de lidar com custos crescentes. Dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) mostram que, em março deste ano, o número de usuários de planos de assistência médica chegou a 50,2 milhões, pouco acima do registrado nos dois meses anteriores e menor do que o fechamento de 2022, quando eram 50,4 milhões.
O aumento da frequência de uso, inflação médica elevada, novas coberturas obrigatórias, fraudes e judicialização pesam sobre as operadoras. “Atualmente, a alta sinistralidade é generalizada em todo o mercado de saúde suplementar”, diz Vera Valente, diretora-executiva da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde).
Em 2022, ano em que as operadoras registraram R$ 10,7 bilhões de prejuízo operacional, o índice de sinistralidade chegou a 89,21%. Segundo Vera, o principal desafio do setor nos próximos anos é ampliar o acesso à assistência médico-hospitalar e, ao mesmo tempo, racionalizar e conter os custos com a prestação do serviço. “É necessário estímulo para que haja maior flexibilização de produtos, permitindo que as operadoras diversifiquem suas ofertas, por meio de planos com diferentes tipos de cobertura”, afirma.
Diante desse cenário adverso, empresas como Bradesco Saúde, Porto Saúde, SulAmérica e Seguros Unimed, por exemplo, vêm adotando inúmeras iniciativas para enfrentar custos altos, melhorar eficiência e crescer. Entre elas, destacam-se parcerias com outros integrantes da cadeia da saúde, oferta de produtos regionais, planos com coparticipação, atenção às pequenas e médias empresas e combate às fraudes.
Uma das parcerias mais recentes do setor foi anunciada pelo Grupo Bradesco Seguros em março. Trata-se de um acordo com o Hospital Israelita Albert Einstein para a construção de uma unidade hospitalar em São Paulo. A empreitada está a cargo da Atlântica Hospitais e Participações – braço do grupo Bradesco para investimentos no segmento hospitalar – e exigirá R$ 600 milhões. As obras devem terminar em 2027, e o Einstein cuidará da gestão médica e administrativa.
“Essa joint-venture entre o Einstein e a Atlântica foi criada única e exclusivamente para a constituição deste novo empreendimento”, diz Manoel Peres, diretor-presidente da Bradesco Saúde. Ele lembra que, além da associação com o Einstein, a Atlântica participa de outra parceira, com o laboratório Fleury e a Beneficência Portuguesa de São Paulo, para atuação conjunta na área oncológica.
A perspectiva, avalia Peres, é de crescimento em 2023. Um dos aliados para o otimismo são os planos regionais, caso dos produtos da linha Efetivo, que oferecem cobertura nacional, mas são desenhados de acordo com a realidade local. “Apresentamos um avanço importante no último ano, com um crescimento de mais de 200 mil beneficiários em 2022.”
No ano passado, a Bradesco Saúde e sua controlada Mediservice apresentaram, em conjunto, faturamento superior a R$ 31,5 bilhões. Isso representa alta de 11,3% em relação ao ano anterior. Hoje, são mais de quatro milhões de beneficiários, basicamente em planos coletivos.
As pequenas e médias empresas (PMEs) são uma clientela de destaque e estratégica para a Bradesco Saúde e a Mediservice: mais de 180 mil delas contrataram planos na modalidade Seguro para Grupos (SPG), cuja abrangência vai de três a 199 vidas. Juntas, essas empresas somam mais um milhão de beneficiários, que correspondem a cerca de 25% da base de segurados.
Neste ano, a operadora lançou uma novidade pensada para dar mais previsibilidade e economia às PMEs, que inclui mudança no modelo de coparticipação. Para a categoria SPG, especificamente, o percentual passa a ser de 30%, limitado a um valor fixo por procedimento. Também é possível que uma mesma apólice SPG tenha planos com e sem coparticipação.
Alvo de uma das grandes negociações de consolidação no setor de saúde suplementar, a SulAmérica, que teve sua compra pelo grupo hospitalar Rede D’Or aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) no fim do ano passado, é outra que aposta em produtos regionais. A carteira da operadora, basicamente formada por planos coletivos, tem 2,7 milhões de beneficiários em saúde.
“É importante esclarecer que SulAmérica e Rede D’Or vão manter as operações de forma independente”, destaca Raquel Reis, CEO de saúde e odonto da SulAmérica. No entanto, a executiva ressalta que já há entrega de eficiências que considera importantes no controle de despesas administrativas com as sinergias encontradas entre as duas empresas.
e acordo com Reis, o segmento de PMEs é onde se vislumbram mais oportunidades de crescimento. Hoje, a operadora cobre com seu seguro-saúde 684 mil vidas nesse mercado. Assim, planos com uma rede de prestadores de serviço regionais vêm ganhando espaço no portfólio de ofertas. “Com essa atuação, conseguimos trabalhar praças que no passado não eram exploradas. Tivemos, por exemplo, recentes lançamentos em Fortaleza e Aracaju”, afirma. A ideia é seguir investindo em soluções de produtos para o segmento do midticket com opções regionalizadas e ampliar propostas de valor nos segmentos premium.
Em paralelo, a operadora vem usando tecnologia e inteligência de dados para o combate às fraudes, um dos maiores problemas do setor, com impacto direto na alta dos custos. No ano passado, o índice de sinistralidade da SulAmérica ficou em torno de 90%.
“A fraude de reembolsos é uma prática que traz malefícios para o próprio beneficiário, que terá seu bolso impactado em algum momento. Infelizmente, fraudes e abusos entram na conta do reajuste do serviço e a sociedade como um todo paga.” Por isso, acrescenta a executiva, é tão importante que seguradoras, corretoras, operadoras e demais empresas do setor da saúde falem sobre o tema. A SulAmérica, lembra Reis, está engajada em campanhas de conscientização sobre o assunto voltadas para pacientes, médicos, corretores, entre outros.
Também adepta de parcerias, a Porto Saúde criou no fim do ano passado uma joint-venture com o grupo OncoClínicas, tendo como objetivo aumentar a qualidade e melhorar o custo-efetividade nos tratamentos oncológicos. Com carteira restrita a planos empresariais a partir de três vidas, a seguradora, diz o CEO Sami Fogel, tem expectativa positiva para 2023. Para isso, trata de atender às demandas dos seus clientes. No começo de 2023, começou a oferecer planos com preços até 25% menores do que os tradicionais e que incluem hospitais de referência em São Paulo, como Sírio Libanês e Oswaldo Cruz, além de laboratórios considerados top, como Fleury e Alta. Junto com parcerias e novos produtos, salienta Fogel, a Porto Saúde vem reforçando o uso da tecnologia como aliada na redução de custos.
Hoje, 90% das interações com o segurado já ocorrem sem intervenção humana, há um sistema de cotação 100% on-line para PMEs e quase a totalidade dos processos de reembolso também se resolve digitalmente. O índice de sinistralidade da Porto referente ao quarto trimestre de 2022 mostra recuo de 9,2 pontos percentuais em relação ao trimestre anterior, chegando a 79,3%.
“O uso de inteligência artificial e a ampliação de parcerias com hospitais, clínicas e laboratórios têm possibilitado melhor gestão do sinistro e redução de fraudes, o que reflete diretamente no aumento na competitividade”, afirma Fogel. A empresa também vem apostando na ampliação do Time Médico Porto, um serviço digital para agendamento de de consultas presenciais ou telemedicina, com diversas especialidades.
“O Time Médico possui mais de 250 profissionais e três pontos de pronto-atendimento em São Paulo”, diz o executivo. No ano passado, a Porto Saúde registrou R$ 3,3 bilhões em prêmios, uma alta de 41% em relação a 2021. O incremento é reflexo da entrada de 64 mil vidas, fechando o ano com 413 mil vidas atendidas em seguro-saúde.
Os grandes players do setor de seguro-saúde, aponta Leonardo Giusti, sócio da KPMG, estão buscando fortalecer suas posições, tanto no seu negócio principal quanto desenvolvendo mercados e serviços adjacentes. “É bastante evidente em alguns casos que as alianças e acordos estratégicos são aceleradores para ganho de relevância, posicionamento ou reposicionamento, com baixo ou quase nenhum investimento inicial”, diz.
Segundo Giusti, a soma de forças de marcas renomadas, a exemplo das parcerias que vêm ocorrendo no setor, é a busca por “uma equação de ganha-ganha para todos”, ajudando em um contexto setorial marcado pelo estresse da redução de margens, juros altos e custos crescentes.
Giusti lembra que as relações de trabalho estão se transformando e o emprego com carteira assinada será diluído em uma economia marcada por PMEs, startups e modelos alternativos de trabalho. “A demanda por serviços de saúde refletirá essa diversidade. Os modelos tradicionais não mais conseguirão atender às necessidades e precisarão se reinventar”, destaca o consultor.
Apesar do estresse atual do setor, a Seguros Unimed, com 1,6 milhão de beneficiários em saúde (incluindo odonto), prevê um faturamento de R$ 4,7 bilhões neste ano só com planos médicos. Isso é um crescimento de 18% sobre 2022. Para tanto, aposta numa estratégia em alta no mercado: produtos regionalizados voltados para contratos coletivos, foco da empresa.
No ano passado, a seguradora começou a oferecer o Essencial, em São Paulo, com planos que incluem redes de clínicas e hospitais com um valor mais atrativo, principalmente para pequenas e médias empresas, podendo ter ou não coparticipação. Desde o começo de 2023, a novidade está disponível em Brasília e Salvador.
“Enxergamos um grande potencial no mercado de PMEs e uma das metas da área comercial para 2023 é alavancar essas vendas. Fazemos constantes pesquisas para avaliar as regiões com maior potencial de negócios, o público e os produtos que mais atendem às necessidades locais”, afirma Helton Freitas, presidente da Seguros Unimed. Brasília, por exemplo, é uma praça estratégica para a companhia, que vem exibindo vendas crescentes.
Freitas diz que a seguradora também foca em promoção e prevenção de saúde e tem realizado investimentos expressivos em tecnologia e inovação digital visando organizar dados e prevenir fraudes. “Para as operadoras de saúde, a promoção da atenção primária pode reduzir os custos com internações e tratamentos mais complexos, além de melhorar a eficiência do sistema de saúde como um todo”, ressalta.
Enquanto as operadoras de seguro-saúde executam suas estratégias, a diretora-executiva da consultoria de saúde Mercer Marsh Benefícios, Mariana Dias Lucon, vê o cenário como desafiador, especialmente no que diz respeito ao entendimento entre seguradoras e empresas contratantes. Segundo ela, as dificuldades setoriais estão levando as operadoras de planos de saúde a serem menos flexíveis nas negociações de reajustes.
Os percentuais apresentados para um grande número de empresas contratantes iniciam-se a partir de 25% a 30%”, destaca Mariana Lucon, acrescentando que muitas não têm fôlego para tanto. Assim, vêm sendo colocadas à mesa de negociações alternativas que redesenham os planos. Entre elas, a adoção de coparticipação ou aumento da já existente, congelamento dos reembolsos, downgrade e mudança para produtos mais regionalizados ou de redes credenciadas mais eficientes.
A Mercer Marsh administra uma carteira de 3,8 milhões de vidas e fez colocação de cerca de R$ 3,9 bilhões de prêmios no mercado de saúde em 2022. Para Mariana Lucon, os desafios prosseguem. Além de a digitalização estar no centro dos debates sobre o futuro dos cuidados de saúde com redução de custo, as seguradoras precisarão, entre outras iniciativas, desenvolver produtos mais inteligentes. “Uma comunicação mais eficaz com os usuários dos planos também é importante, para que eles possam entender as mudanças que ocorrendo no setor e como elas impactam o custo e a saúde do usuário final”, avalia.
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