Hoje todos somos empresários, de alguma forma. O conceito romântico de profissional liberal há muito cedeu espaço para a pejotização dos serviços autônomos, até porque o cliente não aceita o encargo previdenciário de 20% sobre um RPA – Recibo de Pagamento Autônomo. E, mesmos que aceitasse, não assumiria risco trabalhista se a prestação for continuada.
Com isto, as atividades como a do médico passaram por sensíveis transformações e a esmagadora maioria deles é sócio de uma pessoa jurídica; seja sua clínica, cooperativa, hospital, laboratório ou de uma operadora de saúde. Em qualquer dessas instituições, além das responsabilidades fiscais e parafiscais inerentes à sociedade, é exigido um responsável técnico também. Até aqui, nenhuma grande novidade.
Todavia, a partir de 2007 a Agência Nacional de Saúde Suplementar importou, do ramo securitário para a saúde, o conceito de garantias de funcionamento. Os planos tiveram que constituir reservas financeiras (ativos garantidores) para salvaguarda dos prestadores e consumidores, no caso de eventual insolvência da operadora.
Não consegui enxergar ainda eficácia prática dessas garantias. Nenhum ativo garantidor assegurou a continuidade do atendimento aos beneficiários e nem solveu dívida com prestadores. Mas percebo lógica no raciocínio: a profissionalização do mercado geraria, como de fato gerou, um fechamento em série de várias operadoras que não estavam preparadas para a regulação.
Até alguns anos atrás, o médico que figurava como sócio ou cooperado de plano de saúde não tinha toda a noção dos riscos sobre seu patrimônio pessoal. Foi quando muitos deles tiveram bens bloqueados e conheceram o art. 24-A da Lei 9656/98: “Os administradores das operadoras de planos privados de assistência à saúde em regime de direção fiscal ou liquidação extrajudicial, independentemente da natureza jurídica da operadora, ficarão com todos os seus bens indisponíveis, não podendo, por qualquer forma, direta ou indireta, aliená-los ou onerá-los, até apuração e liquidação final de suas responsabilidades”.
Com o passar do tempo, no cenário econômico pós-regulação, as operadoras vêm se degradando. Há uma forte consolidação do mercado, concentração nos grandes grupos, e mesmo as empresas de porte significativo atuam na margem da inviabilidade.
Experimentos quimioterápicos, órteses e próteses, internações psiquiátricas, fim de qualquer limite para sessões terapêuticas, liminares, fraldes e desperdícios pressionam muito fortemente os custos do setor.
Em 2022, ano eleitoral, a situação ficou ainda mais complexa. A ANS ampliou o atendimento ao TEA e o Congresso está em vias de aprovar lei que torna o Rol da ANS apenas uma referência exemplicativa, ou seja, o custeio de qualquer tratamento, on ou off-label, só dependerá da vontade do médico prescritor.
Não fosse suficiente, acaba de ser sancionada a Lei 14.434/22, que estabelece o novo piso nacional dos profissionais da enfermagem, com vigência imediata. Para as clínicas e hospitais, o impacto previsto chega a 55% do valor da folha de pagamento.
É claro que existem soluções e eu serei sempre um otimista da saúde. Mas temos um desafio enorme para atingir o equilíbrio sobre tudo isso.
Diante de um futuro incerto, muitos profissionais estão interessados em entender melhor os riscos em todos os cenários possíveis: e se eu encerrar as atividades da minha empresa? E se eu tentar cumprir todas essas leis e me tornar insolvente? E se eu não cumprir essas leis?
Ainda mais, a principal dúvida dos médicos hoje é sobre a invasão da responsabilidade sobre seu patrimônio pessoal. Muitos indagam se o seu apartamento residencial pode ser bloqueado!
Como o assunto não é simples, achei melhor discorrer aqui sobre o cenário posto e desenvolver uma série de debates, sendo o primeiro deles com um planejador de patrimônio, de renomada empresa de investimentos. Acontecerá dia 23/08, às 19:30, no Canal do Justiça e Saúde, pelo YouTube.
Falaremos sobre as responsabilidades perante a ANS, o Conselho de Medicina, Receita Federal e alternativas de escolher os melhores caminhos quanto ao patrimônio pessoal. Não é só holding familiar!!!
Então, espero todos vocês lá.
Elano Figueiredo
Foi Diretor da ANS, hoje é advogado especialista em Saúde, Fundador do Portal Justiça e Saúde e Vice-presidente da Comissão de Saúde Suplementar da OAB.
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