Planos de saúde: direto da fonte
- elano53
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Artigo de opinião escrito por João Barroca, importante figura das políticas de saúde desde o Departamento de Saúde Suplementar do Ministério da Saúde
Saúde e a Lei 9656/98
Vários amigos e colegas já perguntaram por que a Lei 9961/00 - que criou a ANS - contem a previsão de sub-segmentação (Artigo 4o. XIII - decidir sobre o estabelecimento de sub-segmentações aos tipos de planos definidos nos incisos I a IV do art.º. 12 da Lei no 9.656, de 1998).
Parece incoerente com o modelo assistencial indicado na Lei 9656/98. A Lei dos Planos de Saúde tem como modelo assistencial desejado a atenção à saúde de forma integrada, apontando para a assistência à saúde como serviço estruturado, no entendimento que este serviço (prestado por operadoras de plano de saúde) e muito maior que acesso singular a procedimentos individuais.
Inclusive, como dito acima, se define claramente que planos de saúde (os seguros saúde são equivalentes), são os planos já definidos em Lei. Para que não houvesse dúvida a própria Lei 9656 trouxe a definição que os planos teriam cobertura definida pelo Rol de Procedimentos que é atualizado periodicamente.
Traduzindo em miúdos: não é possível formatar e vender um plano hospitalar acrescido de consultas em especialidades, pois o fato de cobrir consultas implica em parte do plano ambulatorial, então toda a cobertura ambulatorial deveria ser vigente. Outro exemplo: não é possível vender um plano ambulatorial com apenas cobertura de cirurgia de apêndice (apendicectomia), e por aí vai. Ou seja: ou a operadora faz a cobertura total ou faz a cobertura em ambiente hospitalar ou ambulatorial. A exceção foi a cobertura de pré-natal onde, após discussão na Câmara de Saúde Suplementar, foi admitido plano hospitalar com consultas e exames de pré-natal.
A dimensão da Lei 9656 nunca foi apenas - e isso já seria muito - tornar menos selvagem um mercado que vendia até 5 dias de internação de UTI por ano, ou plano com consultas familiares limitadas a 20 consultas, por exemplo. Esses “planos” (com aspas) existiram e eu vi seus contratos em 1998. Além do descalabro assistencial feriam frontalmente o Código de Defesa do Consumidor.
A defesa do mercado, à época, era que o que valia era o contrato, tirânico ou não. Pessoas da minha família vieram me procurar com seus “contratos”, quando os achavam. Vi, não é para rir, um contrato que na frente era um diploma com o nome do contratante exibido em fonte de convite de formatura. Atrás da folha era o contrato. Era um plano baseado em rede própria e duas cláusulas eram centrais: a que a empresa dizia que cobria o que era possível (dentro de sua capacidade de atendimento) e cobrava “o necessário” para fazer frente aos seus gastos. Os exemplos seriam inúmeros.
Além de lógica assistencial os planos formatados na Lei e amparados no Rol de Procedimentos, também melhorou a comparabilidade entre os planos. O que era impossível antes da Lei (por suas coberturas incrivelmente diferentes) passa ser mais factível.
Mas esse não é o momento de falar dos inúmeros avanços legais da Lei 9656 - que claro necessita de ajustes - mas de falar de atenção a saúde.
Voltando ao início - por que prever sub-segmentação? Porque a visão de futuro, desde essa época, era a integração com a saúde publica. Só teria sentido assistencial um plano articulado com o Ministério da Saúde para vencer resistências e melhorar a atenção a saúde, inclusive de quem não seria cliente de operadora de saúde. Um desafio e tanto, com vários obstáculos a serem vencidos.
O norte de todo essa arquitetura assistencial deveria (e deve) ser atenção integrada e estruturada em saúde. Ou seja, com atenção a jornada integral da saúde do brasileiro, controles de toda a sociedade, respeitando realidades locais. Atenção à saúde, desde o monitoramento constante das pessoas, cobertura desde ações de promoção e prevenção até alta complexidade deve ser nosso horizonte.
Ao mesmo tempo que discutimos desfechos em saúde, qualidade assistencial, programas de certificação, fiscalizamos operadoras de saúde para que a legislação seja cumprida, programas de prevenção e promoção e outros, ressurge a ideia de planos de exames e consultas.
Ferindo toda a lógica assistencial - até porque, inclusive, não serão todas as consultas e exames. Certamente haverá a ideia de que se possa ter um plano (vamos chamá-lo de PCE) PCE com ultrassonografia; ou um PCE com consultas e exames em genética; ou um PCE com nebulização para crianças ou qualquer outra coisa.
Como mediremos qualidade desses produtos PCE? Como fica a comparabilidade necessária para portabilidade? Como fica o acompanhamento da jornada do cliente? Valor em saúde? Como fica a acreditação? A fiscalização se fará contrato a contrato, com milhares de contratos?
Como fica a Lei 9656?/98?
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