Um dos eixos de discussão da audiência pública organizada pela Agência Reguladora dos planos de saúde é a revisão técnica, que significa um reajuste extraordinário em contratos individuais e familiares deficitários. Temos sustentado que é um assunto muito polêmico e complicado e não deveria estar na pauta agora.
Para nossa surpresa, a ABRAMGE, associação que representa a maioria das empresas de planos de saúde, manifestou-se contrária à regulamentação da revisão técnica. Estranho não? Ora, se a medida beneficiaria as operadoras, por que elas mesmas não concordam?
É que o mercado entendeu que a proposta pode beneficiar empresas incompetentes, que não souberam vender. Vai desmerecer quem foi eficiente, de forma a que, num cenário absurdo como esse, as boas empresas perdem. Não pode ser assim!
Ainda mais, temos conhecimento que uma das companhias que DEVERIA estar interessada no reequilíbrio dos contratos é a Amil, que chegou a suspender a venda de planos individuais em 2013 e tentou se livrar dessa carteira em 2021.
Todavia, a Amil é um dos principais decisores na ABRAMGE. Então, o posicionamento da associação significa que nem a Amil acha razoável a ideia de autorizar reajustes extraordinários.
Já as seguradoras, por sua vez, não se abalam com a revisão técnica. Elas pararam de vender planos individuais há 2 décadas e eventual prejuízo com isso seria insignificante.
As autogestões, que são aquelas operadoras que fornecem planos de saúde aos próprios empregados das empresas patrocinadoras (como a GEAP, a CASSI etc.), não precisam que seja regulamentada a revisão técnica. A regulação atual permite que elas revisem o preço dos seus produtos, mediante decisão paritária do seu Conselho de Administração. Por sinal, não precisam nem de autorização da ANS. Inclusive, foi assim que a GEAP se salvou em 2021, com a recomposição dos valores deficitários.
Então, sobrou quem? Deixa-me ver... Ah, as cooperativas! Sempre elas.
As Unimeds estão numa grave crise econômica, financeira, política e operacional. No passado, elas transferiam a culpa da sua incompetência de gestão para o regulador. Diziam ser absurdo a manutenção de reservas técnicas financeiras tão altas. A ANS resolveu isso, até mesmo aumentando o percentual de imóveis que podem garantir as obrigações do plano. Então, a desculpa agora tem que ser outra. A bola da vez é o plano individual.
Todos sabemos que as cooperativas médicas são muito fortes na venda de contrato individuais, para pessoa física. Já o que nem todos sabem é que a precificação desses contratos, durante décadas, estava sob a direção de médicos, os Diretores Comerciais dessas cooperativas. Aí, com todo respeito ao profissional da saúde, seria difícil dar certo né? Porque ele não é atuário.
Sem falar nos desfalques que temos visto, as Unimeds passaram muito tempo sendo mal administradas. Tem muito contrato com preço inexequível. E querem consertar isso transferindo o problema para o consumidor, ao invés de responsabilizar o diretor que errou.
Soube que estavam até contratando lobby do setor para convencer a Diretoria da ANS a autorizar o reequilíbrio. Mas a Agência é séria, não funciona assim. Os técnicos puseram o assunto em pauta pública, com um recado claro: é a sociedade quem decide.
Com efeito, tenho que confessar minha admiração por algumas estratégias regulatórias. A sociedade leva o tiro e não sabe nem de onde veio. Mas quando conseguimos ir eliminando os suspeitos, sempre dá para ver quem foi o atirador. Nesse caso, é aquele sujeito que se diz bonzinho, que se apresenta numa cooperativa que ajuda os médicos, que sempre se anuncia ao lado do consumidor. Será?
Enfim, quando até os lobos preservam as ovelhas, temos realmente que abrir os olhos. E aí é quando a gente enxerga que tem gente que se diz ovelha, mas não é.
O momento de discutir revisão técnica não é hoje, ainda mais quando os números anunciam grandes lucros do setor. Por que revisar o que está dando lucro? Reponde pra gente, ANS.
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