A UnitedHealth Group se define como "uma empresa de assistência médica e bem-estar que trabalha para ajudar a construir um sistema de saúde moderno e de alto desempenho... para cuidar de 152 milhões de pessoas". No segundo trimestre de 2023, a UHG faturou quase USD 92 bilhões. Atenção: estamos falando de dólares.
Em 2012, essa gigante americana apostou na saúde do Brasil, quando resolveu adquirir e fechar o capital da Amil. A operadora brasileira possuía 6 milhões de beneficiários. Não deu muito certo.
A operação deles no Brasil registrou, nesse 1º semestre de 2023, um prejuízo líquido de R$ 889 milhões, depois de já ter fechado no vermelho nos anos de 2022 (R$ 1,6 bilhão) e 2021 (R$ 991 milhões).
Evidentemente, o modelo de gestão dos americanos não se adaptou à regulação de nossa saúde suplementar, muito menos à dinâmica das liminares judiciais.
Mas, então, a culpa do péssimo desempenho deles é do nosso sistema ou da forma de gerir? O atual humor dos investidores no mercado de saúde brasileiro demonstra que é um pouco de cada, mas indica que a instabilidade do sistema certamente assusta mais.
Vale lembrar que, só para entrar no Brasil, a UHG teve que empreender um exercício normativo interessante, porque muitos imaginavam que a participação estrangeira na saúde estaria vedada pela Constituição. Provou-se, entretanto, que a presença desses investidores já existia fortemente, notadamente por força das companhias de capital aberto e de seguro.
Para não restar dúvida, o legislador editou a Lei 13.097, em 2015, abrindo definitivamente a possibilidade da participação dos estrangeiros. Esse cenário atraiu o olhar para hospitais, clínicas, laboratórios e, mesmo, operadoras de saúde.
Segundo Mario Scheffer[1], “de 2016 a 2020, ingressaram no país quase dez vezes mais recursos estrangeiros em serviços de saúde que no quinquênio anterior. Foram identificadas 13 empresas ou fundos, a maioria originária dos Estados Unidos”.
Naquele período, três operações chamaram atenção: além da aquisição da Amil pela UnitedHealth Group, por USD 4,9 bilhões, o aporte de USD 865 milhões, do fundo Bain Capital, na NotreDame Intermédica, em 2014, e o aporte de USD 1,2 bilhão, do Carlyle Group junto à administradora de benefícios Qualicorp, em 2019.
Das 13 companhias que aportaram no nosso setor de saúde, apenas 3 atuam de fato no segmento, enquanto 10 exercem atividades de fundo de investimentos. Esse detalhe é importante, para entender que estamos analisando empresas que priorizam planejamento e resultados.
Do ponto de vista factual, a partir de 2022 as coisas mudaram. Nitidamente, a cultura pós-pandemia do paciente da saúde suplementar é outra, de mais cuidado, maior utilização dos serviços. Isso explodiu a sinistralidade.
Com os gráficos se comportando de maneira diferente, os conglomerados de saúde listados em bolsa tiveram suas reputações em xeque.
Em matéria recente, o Valor Investe[2] ilustra bem o cenário atual. Apoiado por analistas do Itaú BBA, anotam que “apesar de o segmento de saúde contar historicamente com investidores estrangeiros devido às perspectivas de crescimento a longo prazo, está sub-representada em comparação com a sua proeminência passada.”.
Numa análise mais rasa, mercado de capitais à parte, o caso da UHG é interessante para enxergar uma mensagem: o maior Grupo de saúde do mundo veio para o Brasil, teve 10 anos de prejuízo, e não consegue sair. Faz sentido?
É que, em 2021, a Amil tentou repassar parte de sua carteira, de planos individuais, para investidores que queriam o setor. Pagava e garantia 2 anos de operação. Os clientes entraram em pânico. O PROCON foi contra. A ANS temeu o que aconteceria após esses 2 anos e vetou o desenho.
Isso aconteceu porque o plano de saúde também não fez sua parte. Ao iniciar sua estratégia aqui, já suspendeu a venda de planos individuais. Pouco tempo depois, anunciou seu desinteresse pela presença nas regiões Norte e Nordeste. Mudou drasticamente o quadro de gestão da empresa, trazendo vários executivos de fora do país ou desambientados com o setor de saúde. Claro que todas essas medidas minaram tanto os resultados como a confiança de qualquer um no projeto.
Notícias agora dão conta de que a UHG mira num comprador de fora do país. Mas se a maior de todas se deu tão mal, quem seria mais arrojado?
Na verdade, a empresa americana não tem outra alternativa, senão aculturar sua gestão, investir mais em entender o modelo brasileiro, com perspectivas, metas, visão e executivos adaptados ao tempero daqui, para só então escapar desse loop em que está.
Entendendo o mercado e a regulação, o Grupo obterá uma melhor estratégia de oferta dos produtos adequados, controle da sinistralidade, relação com o Judiciário, com a ANS, confiança do cliente e, assim, os desejados resultados. Mas se continuar seguindo os palpites dos consultores de Wall Street e da Faria Lima, vai continuar como está.
Elano Figueiredo, fundador do Justiça e Saúde, é advogado, professor e debatedor de saúde suplementar.
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